Picolé-Sorvete

      Nathan me surpreende todos os dias. Hoje, no entanto, ele se superou. Era o dia do "mico de profissões" na escola, uma ocasião em que picolés foram vendidos para arrecadar fundos para a formatura. Nathan ganhou uma ficha em um sorteio organizado pelo Claudio, nosso professor de física. No intervalo, observei que ele não foi buscar seu picolé. Curioso, perguntei se ele não iria. Primeiro, ele me enrolou, dizendo que precisava tomar água. Depois, enrolou mais um pouco, falando que tinha que guardar suas coisas, já que estava lanchando. Dobrou meticulosamente o pano que estava debaixo da vasilha de biscoitos, gastando alguns minutos nisso. Quando finalmente perguntei novamente se estava pronto, ele respondeu que sim. 

      Iniciamos então nossa missão. Mas antes, ele exclamou que precisava ir ao banheiro. Fomos e eu o esperei. No caminho, ele reclamou do som alto, dizendo que queria morar no Rio de Janeiro para escapar de todo aquele barulho. Eu sugeri Ipanema, Copacabana ou Leblon, já que esses bairros são mais tranquilos. Após usar o banheiro, ele declarou estar pronto, e descemos as escadas rumo ao carrinho de picolés. Perguntei que sabor ele queria. "Uva," sugeri. Ele confirmou sem hesitar: "Esse mesmo!" Ao chegar, pediu à Lara, nossa colega de turma, um picolé de uva, educadamente, embora parecesse um pouco atordoado com o som alto, desejando sair dali o mais rápido possível. Missão cumprida, Nathan com seu picolé de uva em mãos. Mas não, ainda não. Ele disse que agora precisava de um copo e uma colher. 

      Sem entender o porquê, respondi ingenuamente: "Mas é só morder o picolé, Nathan." Ele rebateu: "Não... assim eu não gosto, prefiro com copo e colher." Já subíamos a rampa para a sala de aula e voltamos para a cantina em busca de um copo e uma colher, que estavam na outra ponta da escola. Rindo, conversamos sobre como ele comeria o picolé. Chegamos à cantina e, com a ajuda de uma das funcionárias, conseguimos o copo e a colher. Voltamos para a sala. Nathan, novamente meticuloso, colocou o pano dobrado debaixo do copo e me pediu para tirar o picolé do palito. Brinquei: "Assim não é mais um picolé, é um sorvete!" Ele riu. Tirei todo o conteúdo do palito e deixei em pedaços para que ele pegasse com a colher. Só então pude compreender a magnitude de toda aquela exigência, é muito mais do que apenas comer um picolé. Para Nathan, cada detalhe importava. Ele não estava simplesmente querendo saborear um picolé, ele estava criando um momento especial, algo que o fazia sentir mais confortável. Ele ficou extremamente feliz, enquanto ele saboreava o "sorvete", vi a satisfação em seu rosto. Pensei comigo mesmo que, às vezes, as pessoas encontram maneiras únicas de trazer um pouco de ordem e prazer às suas vidas diárias. 

      Olhando para Nathan, percebi que sua meticulosidade e suas pequenas manias não eram apenas peculiaridades, mas formas de encontrar alegria e controle em um mundo que pode ser imprevisível. Essa lição de paciência e atenção aos detalhes me tocou profundamente. Quando ele terminou, com um sorriso satisfeito, agradeceu-me mais uma vez. Eu não tinha feito muito, mas sabia que para ele aquilo significava muito. 

      Mais tarde, refletindo sobre o dia, entendi que todos nós temos nossos pequenos rituais e maneiras de lidar com o mundo. A maneira como Nathan lidava com algo tão simples quanto um picolé me ensinou a valorizar essas pequenas coisas e a ser mais compreensivo com as necessidades dos outros. Voltei para casa com uma nova perspectiva, grato por ter aprendido algo valioso com meu amigo.

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