Anti-herói.

O monstro já não está em baixo de minha cama, ele está dentro da minha cabeça, talvez eu tenha me tornado o monstro, quem sabe. Ele rastejou, sorrateiramente para o interior da minha mente conturbada, como uma praga que se entranha, uma maldição que se cumprimenta. Os soldadinhos que outrora brincava em tempos de puro deleite, em risadas profundas e genuínas, foram embora, nada restou, nada ficou. Sou eu agora o único soldado que sobrou, o último combatente nessa guerra interminável contra o monstro que, em minhas fantasias infantis, repousava sob o leito.

Os tempos mudaram, são outros, a batalha não é mais travada com armas de brinquedo, nem com estratégias inocentes. Não, agora é um confronto de proporções cósmicas, uma luta titânica de vontades dentro dos meus próprios confins. As armas são palavras não ditas, os campos de batalha são pensamentos tumultuados. O monstro ganhou vida, um rebento de minha própria essência, uma encarnação de minhas sombras.

As noites se esticam, frias e implacáveis, enquanto enfrento esse monstro, essa criação de meu próprio desassossego. Às vezes, me pego desejando os dias onde os únicos monstros eram aqueles sob a cama, onde os heróis usavam pijamas e as lutas eram ficções coloridas. Agora, sou o último defensor, o último a erguer a bandeira de resistência contra esse inimigo internalizado. Vejo que não sou tão destemido como os super-heróis dos quadrinhos, onde os super-heróis voavam pelos céus e desafiavam o mal sem hesitação. Como eu desejava ter essa simplicidade de volta, a inocência da infância onde a linha entre o bem e o mal era tão clara quanto preto e branco.

Um momento eu era médico, no outro astronauta, no seguinte bombeiro. Eu sonhava, podia ser qualquer coisa a qualquer hora do dia, mas a realidade escavou trincheiras em meu ser, esculpindo cicatrizes que não cicatrizam. Tudo se tornou mera lembrança, palavras que escrevo com ternura mesmo sem aquela antiga doçura, tornei-me um anti-herói solitário em minha própria tragédia cotidiana, enfrentando dragões internos que são muito mais traiçoeiros do que os monstros de debaixo da cama.

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