Metamorfose.
Ele, tão acanhado, respondia apenas ao que lhe era perguntado,
sem ceder espaço para que uma conversa desabrochasse. Agora, entretanto,
despe-se de sua timidez. Abandonou a cartela de rivotril que outrora carregava
nos bolsos, era um gesto premeditado, toda vez que ia de encontro com outros
seres humanos – Colocava o comprimido com cautela de baixo da língua, a
sensação amarga e metálica do medicamento dissolvendo-se lentamente em sua boca
era um prelúdio para o encontro iminente.
Hoje, desperto e sóbrio, já não precisa dos calmantes extravagantes para chegar
ao fim de seu dia vivo. A coragem começou a emergir de suas entranhas, como um
fogo interno que já queimava seu antigo eu. Como se o silêncio o tivesse feito
crescer, ele agora floresce em encontros e desenlaces, cativando com sua
eloquência e sua profundidade de alma. É como se, no âmago de sua metamorfose,
ele tivesse descoberto a magia contida nos fios invisíveis que entrelaçam os
corações humanos. E assim ele se revela, transcendendo o tímido personagem que
um dia fora, desbravando seu novo eu, fazendo da palavra o seu refúgio e do
encontro uma poesia viva.
Ainda assim, ele sente falta de si, apesar de tudo está completamente confuso.
Entre quem um dia ele foi e quem passa a ser agora. A incerteza paira no ar,
como uma névoa densa, envolvendo seus pensamentos. A incerteza torna-se sua
única certeza, e a tristeza se faz presente em cada passo adiante. A
autenticidade que busca desvelar parece-se com uma miragem inatingível, uma
quimera que se desfaz ao menor toque. Há um lamento sútil em tudo isso, um
sopro de nostalgia que o lembra dos tempos em que a segurança do rivotril
preenchia os vazios de sua existência, era como um bengala. Ele segue
desamparado, mas andando com suas próprias pernas.
No fim das contas, ele se encontra perdido em uma teia de desencanto,
procurando respostas em um mundo que parece cada vez mais distante e
indiferente.
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