Clarice não conseguia...


Clarice não conseguia dormir. 
A noite de chuva parecia amplificar seus pensamentos e emoções. 
Ela estava inquieta, sua mente era como uma metralhadora disparando acusações e lembranças dolorosas.

Pensava nos filhos que nunca teve, na perda recente do amor da sua vida, nos vícios que acumulou e na solidão que sentia. 
Ela desejava apenas dormir, e esquecer tudo isso em um passe de mágica, mas sua mente não a deixava descansar.

Há alguns meses, Clarice havia parado de tomar Rivotril porque domou a síndrome do pânico. 
Não tem mais nenhum comprimido nos armários.
Na televisão passa um filme ruim e os brancos da parede ficavam ainda mais brancos em noites assim.
Ela estava sozinha e pensou em ligar para alguém, mas não queria incomodar ninguém na alta madrugada, lamenta não ter um amigo para compartilhar sua intimidade.

As horas avançavam sem pressa e Clarice continuava acelerada, pensa na morte de várias maneiras, mas sem a coragem de ir adiante. 
Desespera a vida, desespera mais a ideia do desaparecimento.
Enquanto Clarice pensava na vida, a chuva fina continuava a cair do lado de fora. 
Ela olhava para a televisão e sentia que todos os programas estavam mostrando o pior lado da humanidade. Ainda assim, ela sabia que precisava encontrar uma maneira de seguir em frente. 
Clarice nunca alcançou a doçura, seu sorriso é negro, seus olhos cansados revelam sua alma frágil e dolorida.

Os pássaros começaram a cantar do lado de fora, Clarice levanta com a cabeça pesada sentindo uma enxaqueca insuportável junto ao seu corpo alquebrado. 
Foi para a cozinha e começou a preparar uma enorme xícara de café preto para espantar o cansaço.
Em seu quarto, com a televisão ainda ligada em um noticiário qualquer anunciando que a semana toda será de chuva, que o índice de desemprego aumentou, sobre um homicídio cruel contra uma criança, do viaduto central.

Clarice, olha para dentro da xícara de café e fica alguns minutos se procurando na negritude matinal.

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